PRANTO DE MARIA PARDA NO D. MARIA II
Foi no dia 22 que fomos ao Teatro Nacional de D. Maria II assistir à representação da peça Pranto de Maria Parda da autoria de Gil Vicente, escrita em 1521. Um autocarro veio buscar-nos e viajámos até à baixa de Lisboa, onde se situa o teatro. Trata-se de um teatro grande, iluminado, com um café no seu interior, um edifício imponente, ex-libris da praça D. Pedro V, mais conhecida como Rossio.
O Pranto de Maria Parda, é um monólogo, em que a protagonista é uma mulher de classe baixa, “amante” de vinho, a viver em Portugal durante o século XVI e cujo nome é Maria Parda. A obra constituiu-se como uma crítica à crise e à fome da época. Sendo agora levada a cena, pretende comparar o rescaldo do ano devastador de 1521, que foi um ano de escassez e morte, e a situação pandémica que se vive atualmente em 2021, um ano também considerado devastador.
A representação da peça decorreu na sala estúdio cujo palco era um quadrado pequeno com uma estrutura com cortinas brancas de cada lado. Em palco, utilizam-se blocos que simbolizam os edifícios da baixa de Lisboa, projeções e música produzida pela rapper portuguesa Capicua.
A atriz principal e única (pois a peça é um monólogo) apresenta uma breve introdução sobre o argumento e vocabulário arcaico da peça e dá voz a Maria Parda, a mulher pertencente às classes mais baixas de Portugal. Durante a peça inteira, desenham-se vários paralelos claros e pertinentes entre 1521 e 2021, como a fome e a peste com a pandemia e, consequentemente, as crises económicas e sociais que daí decorreram em ambas as épocas, tocando em assuntos que estão na ordem do dia como a fome (retratada pela dependência do vinho), o racismo, a falta de solidariedade e a pobreza (que é agravada pela ajuda que os outros não dão). Assim, como em 1521, corremos o risco de escolher uma “Maria Parda” para, tal como na história de Gil Vicente há 500 anos atrás, expiarmos os males deste 2021. No texto original, para pôr fim ao ano mau, Maria Parda morre. Na peça não é isto que acontece. Maria Parda, percebendo que 500 anos depois nada mudou, decidiu continuar viva e mostrar a todos que o “ano bom” não se traz com a morte (leia-se culpabilização) de alguém ou algo, mas com uma mudança real e com o esforço de todos. LER MAIS
A peça mostra para além do já referido, alguns pontos que divergem da obra original como, por exemplo, o “escurecimento” da protagonista ao longo dos anos. Gil Vicente não deixa nenhuma evidência de que Maria Parda seja negra ou mulata, contudo o “escurecimento” da sua pele aconteceu devido ao seu comportamento de alcoólica ser reprovável e ao facto de os aspetos negativos da sociedade serem, muitas vezes, imputados a grupos minoritários, neste caso, à população negra, o que se deve ao preconceito e à mentalidade racista das pessoas.
A atriz Cirila Bossuet interpretou muito bem a personagem e todas as suas emoções, raiva, tristeza, indignação, entre outras. O final é surpreendente e inesperado, com a interrupção abrupta do “ritual”, seguido de um desabafo interessante e pertinente sobre raça, desigualdade e pobreza, mostrando que 500 anos depois, os mesmos problemas persistem. Tudo isto faz com que esta obra de Gil Vicente continue ainda tão atual.
Autoria de: Leonor Martins, Mário Patrício, Marta Rosendo, Martim Pires, Tiago Cunha
De viagem também já foram ao Museu Coleção Berardo à «procura» da artista Helena Almeida.
Um dia destes contamos-vos como foram percorridos estes «caminhos – viagens». Adiantamos, desde já, que foram vibrantes e surpreendentes!
Para eles e para nós.
Para conhecerem melhor quem são os companheiros das viagens, desta e de outras que haveremos de fazer, deixamos a ligação para a Associação Dança em Diálogos https://ddialogos.com/
Programa PARTIS – Artes Visuais e Dança. Fotos de Tânia Ferreira.