ANTES DE COMEÇAR... O CONFERENCISTA
Atrever-me-ia a dizer que uma grande maioria dos Portugueses conhecem Laborinho Lúcio e o seu vastíssimo currículo, nas áreas do Direito, da Educação e da Cultura, mas não muitos o conhecem pela perspetiva de quem leu a sua última obra: A Vida na Selva.
Pedi-lhe emprestadas algumas das suas palavras e deixo aqui num apontamento o seu CV.
Álvaro Laborinho Lúcio nasceu num dia. Não sei se foi em dezembro, se em abril.
Tal como escreveu no seu último livro: todos os dias são dias de nascer. Ninguém nasce de uma só vez, nascemos aos poucos, pelo tempo fora…..
A primeira vez que nasceu havia guerra. Na sua terra havia fome. As pessoas dividiam-se em pés-descalços e em pés-calçados.
Quando chegou o tempo de aprender a ler, a escrever e a contar, o seu pai mandou-o para a escola dos pés-descalços. Aí, ao principio, nascia todos os dias um bom bocado.
Talvez, porque, já então, este menino de pés calçados, por entre brincadeira de crianças, sonhasse com animais falantes que animavam as suas conversas por entre gargalhadas, até que chegasse um leão apaziguador… Sonho que escreveu numa redação intitulada a Vida na Selva e lhe ficou na memória.
Talvez pela raiva da observação da leitora D. Maria:
– Diz lá, meu filho, não foste tu quem escreveu, pois não?
Terminou a quarta classe. Esperavam-no novas viagens, novas histórias, ainda que, por vezes, houvesse algum medo de as por escrito, numa qualquer redação.
Tempos de calar as memórias.
Os sonhos, esses, viajaram com ele.
Foi nascendo…nascendo…
Pelas estradas largas que deixavam ver montanhas verde-azuis, lá ao longe cheias de liberdade para olhar.
Mas, o tempo tece caminhos que, por vezes, estreitam os olhares.
Mas… o importante, ensina-nos, é não nos apearmos demasiado cedo das nossas viagens.
– E, agora, queres seguir o quê? – perguntou um dia o pai.
– Quero ir para teatro. Fez-se silêncio e fui para a justiça.
Foi no Fundão que mais vezes nasceu como magistrado e como homem.
O Fundão era um reduto de esperança e de liberdade.
(…)
VOLTANDO À MANHÃ DE AQUELE DIA…
Começou pela manhã com os alunos dos 8.º e 9.º ano.
Estavam um pouco expectantes, pois não sabiam muito bem o que se ia passar. Seria mais uma aula de História sobre o 25 de Abril?
Em cima da mesa estavam duas caixas brancas, duas maçãs e um ovo, mas ninguém olhou muito para estes pormenores mesmo ali…
Desde o simpático estudante de Medicina, que contava grandes histórias e falava muito, que afinal era um agente da PIDE infiltrado, ao colega alemão que falava pouco e que acabou por ser preso pelo encantador estudante de medicina.
Não foi difícil perceber como as aparências podem iludir, oportunidade para refletir sobre o significado do que se vê, do que é dito, do que é escrito, das palavras, das imagens e dos contextos.
À espera de uma nova história, da plateia os olhares permaneciam presos aos gestos e às palavras.
Surpreendentemente, estas iam sendo mostradas em jogos de pensamento, feitos da magia de uma caixa vazia, de uma caixa com um ovo e de duas maçãs. Duas maçãs cortadas ao meio de duas maneiras diferentes.
Não revelamos este jogo, apesar de sabermos que estão curiosos. É um pretexto para os alunos que não assistiram a esta brilhante lição, um dia poderem ouvi-la pela voz de Laborinho Lúcio. Só ele o sabe fazer com tamanha mestria.
Num discurso empático, onde as palavras das memórias de ontem chamaram a atenção para o valor de conhecer antes de julgar, do exercício constante da solidariedade, da confiança e de aprender a ser com os outros.
Valeu mesmo a pena! – disseram-nos os jovens e alguns dos professores que assistiram a estas histórias encenadas.
Voltando à manhã daquele dia, queremos dizer-lhe que não deixou nenhum(a) jovem indiferente às suas palavras e ao modo como questiona a «dialética das coisas».
– Quando me questionei o que era a comemoração dos “50 anos do 25 de Abril”, escrevi um romance, diz-nos Laborinho Lúcio no início da conferência integrada no Ciclos de Conferência: ABRIL EM MARÇO, realizada no Auditório da Santa Casa da Misericórdia da Amadora.
Esse romance de Álvaro Laborinho Lúcio intitula-se: As Sombras de uma Azinheira[1], onde se pode viajar por (…) Portugal, nos quarenta e cinco anos que antecederam o 25 de Abril, contado através da história familiar e política de João Aurélio; e Portugal, nos quarenta e cinco anos que se seguiram à revolução, narrado pelo percurso indagador de Catarina[2].
E, foi a partir de (…) um antes e um depois desta «manhã inicial», em que nasce a criança e renasce um país de um longo período de trevas, (…)que a conversa fluiu, não para fazer comparações de um antes e de um depois, porque não há comparação possível, mas para poder questionar, o que poderia ter sido. O que cada um de nós poderia ter sido. O que é no presente e o que poderá ser daqui a 50 anos, diz-nos com o olhar projetado nos nossos futuros, que se fazem Aqui e Agora.
Retoma os 3 D traçados pela Revolução dos Cravos, em 1974: Democratizar, Descolonizar e Desenvolver e desenha com as palavras o seu alcance e significados, para que não os esqueçamos e, sobretudo, para nos questionar:
– Qual o estado atual da democracia? Como é que cada um de nós afirma a democracia? Como é ser democrata?
Há mais democracia no país do que em cada um de nós? Como afirmamos a nossa autonomia? Será que somos verdadeiramente autónomos? Como nos relacionamos com os outros para construir um conhecimento universal e a cultura?
Estas interrogações abrem caminhos para falar da Escola pública como, diz-nos: a conquista mais bem-sucedida para o combate ao analfabetismo, e um instrumento decisivo para a taxa de autonomia, ao poder desenvolver o máximo das capacidades de cada um/a.
Todavia, atenta, que devemos colocar questões sérias a uma certa dificuldade que a Escola tem em assumir as mudanças numa sociedade marcada pela complexidade e imprevisibilidade cada vez maiores, relembrando-nos Daniel Innerarity, filósofo espanhol, que alerta para o grande perigo que está na simplicidade, na transformação de tudo o que é complexo em simples pelos sujeitos que têm o poder, condições às quais a escola não fica alheia.
Portugal, nos quarenta e cinco anos que antecederam o 25 de Abril, contado através da história familiar e política de João Aurélio; e Portugal, nos quarenta e cinco anos que se seguiram à revolução, narrado pelo percurso indagador de Catarina. In sinopse: As Sombras de Uma Azinheira de Álvaro Laborinho Lúcio,2002, Quetzal Editores. https://www.quetzaleditores.pt/produtos/ficha/as-sombras-de-uma-azinheira/25517117
PARA CONTAR COMO FOI…
No âmbito do projeto Radio(Grafias) Iguais, uma parceria entre o Agrupamento de escolas e Associação Dança em Diálogos, e integrado na iniciativa PARTIS – Art for Change da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação ”La Caixa”, realizou-se uma conferência, que teve como principal objetivo, fazer um balanço do trabalho realizado, nas áreas da Dança, Artes Visuais, Documentário e Teatro, ao longo de três anos letivos, na Escola do 1.º ciclo do Alto do Moinho.
Após as palavras de Clara Santos, presidente da Comissão Administrativa Provisória do Agrupamento e de Pedro Santos, representante da Santa Casa da Misericórdia da Amadora, que salientarem a importância do projeto para a comunidade educativa, Fernando Duarte e Elisa Marques relembraram as diferentes ações desenvolvidas ao longo deste percurso, contextualizaram as práticas artísticas e focaram as problemáticas e os pressupostos que deram origem a esta intervenção.
Tivemos ainda connosco Carolina Gonçalves, professora na Faculdade de Educação da Universidade de Sherbrooke, Canadá, que nos sintetizou algumas conclusões do estudo realizado, intitulado: As Artes e Inclusão no 1.º Ciclo: Alguns dados do Projeto Radio(grafias) Iguais.
No seguimento deste trabalho retroativo, foi dada especial atenção às vozes de quem partilhou «por dentro» todo este processo e o pudesse contar. Tivemos connosco, numa Mesa-redonda, para contar como foi, as professoras: Ana Almeida, Cláudia Santos, Rita Cardoso, Sónia Lisboa e Vera Silva, o orientador das sessões de Documentário, António Limpo. Juntaram-se ainda a encarregada de educação Cláudia Gomes e as suas duas filhas: Sofia e Diana.
Era então tempo de recordar…
A moderadora da Mesa, Alexandra Marques, num tom doce, perspicaz e convidativo deu oportunidade a cada um, de poder relembrar o quanto viveu ou testemunhou. Ficámos a saber o quanto é bom abrir as portas da escola a outros saberes, viajar para outros lugares para «criar mundos», como nos disse a Sofia.
As professoras contaram-nos como se sentiram desafiadas por outras maneiras de trabalhar as artes na escola, dando, assim, nota de que as crianças se sentiram alegres, confiantes e sem dificuldade em participar em cada uma das áreas.
A alegria vivida pelas crianças e a vinda das famílias à escola, principalmente, para verem os seus filhos em diferentes atividades, foram mais-valias que a Cláudia Gomes salientou como fatores de sucesso.
Reinava o entusiasmo à volta daquela mesa, quase fazendo esquecer aqueles que tinham mais pressa em chegar a casa… e a conversa foi derivando para muitos outros aspetos, nomeadamente, a formação. Ficámos a saber, por uma das vozes que participou na formação, Rita Cardoso, a importância da liberdade para criar, do diálogo e das interações na construção dos conhecimentos, do significado da sensibilidade estética da apreciação crítica. Tornámo-nos pessoas mais atentas e conhecedoras, (…) aprendi a não ter medo de arriscar.
Convicta do entusiasmo que todos pareciam manifestar, apesar de o tempo para a aquela conversa se aproximar do fim, a moderadora ainda lançou um complexo desafio, servindo de inquietação para memórias futuras, perguntando como achavam que deveria ser a escola no presente. Percorreu com o olhar cada elemento à sua volta e a Diana, rapidamente, responde:
– A escola deveria ser o projeto!
Ao fim de uma tarde bem passada, todos saímos dali felizes por ter sido possível Fazer Acontecer, mas para isso foram precisos muitos.
Um agradecimento muito especial a todos quantos colaboraram.